Doutrinar é, segundo Dicionário Oxford Languages, incutir em (alguém) opinião, ponto de vista ou princípio sectário; inculcar em alguém uma crença ou atitude particular, com o objetivo de que não aceite qualquer outra. Daí decorre que, ao ser doutrinado, nega-se o direito ao exercício crítico, à busca de outras formas de pensar o real e opta-se pelo discurso único acerca do mundo e das relações. Doutrinar é escolha para aprisionar mentes, estabelecer verdades absolutas e incriminar pensares diferentes.
Ao negar, pois o exercício do pensar, num aprendizado constante de criticidade, de dúvida e, por isto, de pesquisa acerca de outras maneiras de refletir, a Escola nega, também, a sua própria razão de ser, seus objetivos como instituição social e como espaço de formação cidadã. Numa sociedade democrática, a escola é lugar de aprendizado e de exercício democrático, de participação, de valores a serem vividos coletivamente. Na Democracia torna-se incoerente a opção por uma escola de cunho cívico-militar. Pedagogicamente, o aprendizado escolar supõe o trabalho com conhecimentos científicos, artísticos que contribuam para a formação de sujeitos, operantes em seus contextos, críticos em suas análises, responsáveis e compromissados com a vida em comunidade. Num modelo cívico-militar, com militares assumindo salas de aula, definindo conceitos e práticas disciplinares, interferindo no trabalho docentes, ocorre a desvalorização de uma gama de conhecimentos produzidos e desenvolvidos por diversas ciências, entre ela a própria Pedagogia. Desvaloriza-se, assim, a formação docente, seus saberes e seus fazeres que legitimam o processo ensino-aprendizagem formal.
Trata-se de compreender o lugar das competências específicas desenvolvidas para realizar determinadas funções sociais. Á docência cabe mobilizar conhecimentos de conteúdos(da disciplina que ministra), conhecimentos de experiência (práticas do saber-fazer) e conhecimentos didático-pedagógicos que diferenciam o/a professor/a no planejamento, execução e avaliação dos processos de ensino-aprendizagem. A configuração de política pública que abre espaço para as denominadas escolas cívico-militares distorce, fere e interfere no próprio conceito histórico de escola. A escola, como instituição, é uma construção que se adapta, se inova, se refaz em seu tempo histórico, agregando saberes e modos de fazer Educação que são desenvolvidos, estudados, avaliados em contextos reais do processo ensino-aprendizagem a partir de diferentes contribuições da Ciência como Psicologia, Sociologia, Antropologia, Biologia e outras. É fenômeno complexo que ultrapassa saberes e práticas de quartéis, de fardas e disciplinamento militar.
Ademais, cabe ressaltar a escola como espaço do aprendizado do ser, em sua subjetivação como sujeito em processo de se conhecer, se estimar para se relacionar e respeitar o diferente de si, reconhecendo o Outro em suas singularidades e diferenças. O espaço escolar é espaço de aprendizado, pois de si e do outro, em exercício reflexivo constante acerca das relações, dos valores que precisam operar para o fortalecimento de uma sociedade justa, democrática e de direitos para todos e todas. Uniformizar sujeitos, estabelecer hierarquias artificiais no estabelecimento de relações entre estudantes e docentes contrariam os princípios de um trabalho educativo em prol da autonomia, da emancipação e da liberdade responsável de ser e estar.
Tudo que a escola não pode ser é servir como espaço de doutrinação. Sem diálogo, sem problematizar o cotidiano e a História, o espaço escolar contribuirá para a (de)formação de homens e mulheres subservientes a uma lógica antidemocrática, hierarquizada, dicotômica, monocultural. Esvazia-se a humanidade que há em cada sujeito, impondo limites e dificultando a criatividade, o bem-pensar, o melhor fazer. Perdendo, assim, vozes e corpos tão singulares e imprescindíveis para o viver democrático. Como Paulo Freire demonstrou, somos seres inconclusos e, por isto, procuramos ser mais e seriamente humanizados para viver a vida em comum. Não à negação da Escola!
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