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Image by Annie Spratt
Foto do escritorRita Stano

Saúde docente : uma questão pedagógica?

Esta reflexão entende que a saúde mental de todo e qualquer profissional, obviamente é tratada, estudada  pela Medicina e pela Psicologia. Porém, a inserção de sujeitos que desenvolvem transtornos físicos e psíquicos, em seus respectivos ambientes de trabalham, carregam, consigo, as agruras e as dores provocados por estes ambientes. Assim, a proposta é refletir acerca da saúde de professores e professoras em exercício, que tem aumentado substancialmente nos últimos anos no Brasil a partir de aportes pedagógicos. Há um pressuposto aqui de que os entrelaçamentos entre prática docente, politicidade e comunidade podem deflagrar clima de adoecimento físico e psíquico, que se singularizam na profissão docente. De  modo algum pretende-se diminuir ou desprezar os conhecimentos produzidos em outras áreas, apenas se pretende apontar o que é pedagógico neste contexto que adoenta, agride, fere e machuca tantos professores e professoras em seu exercício profissional.

Várias publicações, resultantes de pesquisas acadêmicas no Brasil, tem tratado do aumento de atestados médicos, de afastamentos de docentes em decorrência de fragilidades da saúde de professores e professoras. Outrossim, as queixas acerca da dificuldade de se ser docente são cada vez mais comuns em encontros docentes. Possivelmente, tais queixas devem, também, serem compartilhadas nas salas dos professores, nos momentos de reunião pedagógica, nas saídas e entradas pelos portões da escola. Mas, qual o sentido deste contexto e quais as possibilidades pedagógicas de se mitigar estes dados?

Por que atuar no magistério tem trazido fragilidade à saúde de homens e mulheres que exercem a docência, que trabalham em sala de aula? Há uma sacralidade no ato educativo, no ambiente da sala de aula, quando o ensinar e o aprender se mesclam no movimento de apreender, compreender e se encantar com o conhecimento produzido e com o aumento de visão que o aprendizado provoca. Trata-se de uma construção coletiva de reconhecimento do que as Ciências descobriram, do que falta descobrir e dos questionamentos provocados. Há sacralidade na poesia discutida, no texto lido, na peça de pintura admirada. Há sacralidade quando o conhecer nos enleva, subtrai o tempo, nos desloca no espaço histórico das acontecências da vida humana. Não há profissão que conceda tantas possibilidades de se provocar e viver o sagrado. Da mesma forma, cada aluno e aluna trazem, com suas experiências, seu modo de viver e com sua irreverência, a profanidade necessária, que incomoda, que questiona, que desfaz o caminho e que clama por mudanças. É entre, pois, o sagrado e o profano que as aulas acontecem, afagando e fortalecendo, diariamente, a escolha pela profissão docente. Enxergar o brilho nos olhos de um aprendiz, o pensamento que se alarga, o esforço do mais saber são sacralidades nem sempre descritíveis.

Porém, paulatinamente temos visto o desencantamento docente e discente pelo bem ensinar e bem aprender. Independentemente de ser escola pública ou privada. Os entrelaçamentos que provocam a sacralidade da sala de aula estão se esgarçando. Os olhos não brilham, o olhar é de tédio e de vazio, os corpos parecem ausentes daquele espaço. Em que momento se inicia o des-enlace?

Escola tem endereço e indica o lugar de construção de significados pelos seus sujeitos? Estará o endereço se perdendo à medida que chegam novos lugares de aprendizado? Num mundo em que a imagem parece subverter a presença, o real e a magia do encontro, a escola vai se constituindo, paulatinamente, desimportante para o aprendizado e até pelo encontro. Afinal, a mensagem atropela os olhos nos olhos, o toque, o cheiro, o movimento. Letrinhas abreviam palavras, palavras são economizadas pelo uso de ícones gráficos. É um outro modo de interação em que a figura da professor/a se secundariza mediante tantos outros interesses.

O adoecimento docente resulta, talvez, no vazio que se estabelece na relação  com o corpo discente, autorizando silêncios, incompreensões, desrespeito. Um adoecer como pedido de socorro, deixando espalhar dores e medos pela dificuldade de conexão, pela absurdidade da falta de busca conjunta de significados, pela ausência de um projeto comum, de sonhos que não se alinhavam mais.

Há que se resgatar o prazer da convivência sem mediações imagéticas. Convivência entre corpos e desejos que buscam juntos os sentidos ainda possíveis de serem elaborados, coloridos, compartilhados. Entrelaçamento necessário de saberes, de opiniões, a proeminência de saberes para além do senso-comum.

Qual é, pois, o remédio para a docência, para extirpar dela o inapropriado, o estranhamento desta adolescência que roga por novos sentidos, que necessita de ter referência  e exemplo como guias, como cais neste caos instalado de um mundo partido, incerto? O tratamento deve partir de uma coreografia nova entre sujeitos da escola em volta da busca constante de melhor saber, de educar os sentidos para a apreensão de um mundo que precisa ser revisto em constante mudança. Metodologias diferentes, práticas de ensino que priorizem o exercício coletivo e pensar crítico, doses de sonhos para se sonhar juntos, comprimidos de indagações e compressas diárias de significados construídos, num tempo e espaço não categorizado, inclassificável e permanentemente dialético e dialogável. Recomendação? Envolver os pais, coeducar estes adultos aprendizes numa comunidade escolar que se amplie e se enriqueça de saúde física e mental, buscando convivência pelo aprendizado, pelo gosto do saber e pelo enfraquecimento de preconceitos e conceitos cristalizados. Muita ética para que a escola se constitua lugar da beleza ao invés do patrulhamento, do bom ao invés da vigilância, do possível no impossível pedagógico. Diálogo, mediatizado pelo conhecimento, acolhendo diferenças, identificando desigualdades, expondo a realidade e valorando o que realmente importa para o bem-viver. Enfim, a possibilidade de cura por meio de uma Pedagogia com vistas à formação humana, autônoma e responsavelmente libertária.

 


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